
No meu texto deste domingo, falo sobre um dos temas que acompanho muito de perto, a ferrovia.
Quem me conhece sabe que paralelamente aos carros, o transporte e a mobilidade, mas principalmente a ferrovia, e mais tarde a aviação, sempre foram setores que acompanho de muito perto, sendo a ferrovia uma grande paixão que vem comigo desde a infância.
Essa grande ligação aos trilhos, me levou a inúmeras viagens de trem pela Europa, onde, além de conhecer as composições ou a história ferroviária, eu ficava dias e noites em estações das mais diversas cidades com o único objetivo de ver e registrar fantásticos trens de carga ou passageiros compartilhando trilhos de forma harmoniosa.
Ainda hoje, não são raros os dias em que, sentado na padaria do amigo Wilson em São Roque, SP, numa estratégica e agradável varanda ao lado da via férrea, e entre o café e um bolo, ou um sorvete, admiro o tráfego de trens num dos pontos da malha ferroviária brasileira de maior fluxo de trens de carga, e via hoje sobre concessão da RUMO. Naquele local o tempo passa de forma menos acelerada, e entre um trem e outro, sempre com o cenário daquela lindíssima região como palco para estes momentos de lazer, é ali que muitas vezes medito sobre o quanto é fundamental para o Brasil uma malha ferroviária que atenda passageiros e empresas de forma abrangente.
Serve esta breve introdução para saberem que minha ligação ao universo da ferroviário é fruto não só da paixão pelo modal, mas também pelo conhecimento adquirido ao longo do meu relacionamento bem próximo da operação, trabalhando na área da comunicação de empresas ligadas ao setor, mas também na incessante busca por mais conhecimento, seja ele de questões técnicas sobre o material rodante, ou assuntos mais abrangentes e relacionadas ao universo da operação ferroviária.

Posto isto vamos a minha reflexão de hoje. O Brasil necessita reverter urgentemente seu atraso na implantação de uma malha ferroviária estruturante, algo decisivo se queremos ser um país competitivo, capaz de melhorar sua logística, aumentando sua capacidade de escoar a produção agrícola, de matérias primas ou produtos manufaturados de forma rápida, segura e com grande capacidade nos volumes transportados. Nos países desenvolvidos, produtos agrícolas, leite, óleo, combustíveis, carros, motocicletas ou encomendas, entre muitos outros, são transportados quase que exclusivamente por trem, retirando milhares de caminhões das rodovias, sendo o transporte por caminhão fundamental, sim, mas para pequenas distâncias, entre terminais e centros de distribuição ou centro das cidades
No entanto, se é importante levar os produtos das áreas de produção para cidades e seus hubs de distribuição ou portos para exportação, também é fundamental que essa mesma malha ferroviária sirva para a mobilidade das populações, o que não acontece atualmente no Brasil.
Em nossa opinião, o atual modelo de concessão vigente no Brasil apenas prioriza os lucros das empresas de logística e seu tráfego de carga, bem mais lucrativo, ao não obrigar, ou até mesmo flexibilizar, seus espaços entre os trens e carga para a operação, própria, ou de outras empresas, que pretendam operacionalizar trens de passageiros entre cidades de uma determinada malha. Essa convivência entre trens de carga e passageiros é comum em toda a extensa rede ferroviária europeia.
A concessão, foi a forma que os irresponsáveis governos federais ao longo das últimas décadas encontraram para tirar de suas costas, (por incompetência ou força dos interesses onde o dinheiro sempre falou mais alto que a necessidade das populações) a responsabilidade em entregar para seu povo um modal que é fundamental para o desenvolvimento de qualquer pais.
Ferrovia é responsabilidade do estado, sim, e ele não pode entregar nas mãos de outros, que obviamente estão mais preocupados com a necessidade de gerar lucros para seus negócios, uma função que é sua. Por essa razão países que têm os maiores índices de qualidade e capacidade na utilização da ferrovia, tanto para o transporte de passageiros como carga, mantêm a participação do estado em suas principais empresas ferroviárias. Exemplos disso, a SNCF na França, a DB na Alemanha, CP em Portugal ou a RENFE na Espanha, só para citar alguns exemplos.
Além de sua participação também como operadores, os governos daqueles países mantêm um estilo de negócio que se generalizou pela União Europeia. O estado de cada país é responsável pela infraestrutura e sua manutenção, aí incluindo vias, estações ou sinalização, e na sua grande maioria através de empresas criadas apenas com essa finalidade, a gestão da infraestrutura.

Surge então o fator mercado aberto, onde com a responsabilidade do estado em entregar uma malha ferroviária competitiva, ai sim, empresas do setor público ou privado podem pagar para utilizar essas vias tanto para a logística de cargas como para o tráfego de passageiros, criando competitividade no setor, e por conta da concorrência, todo o mundo ganha, com destaque para o aumento da eficiência no transporte de mercadorias, mais conforto e rapidez no de passageiros, e claro, o preço que com diversos players disputando o mesmo espaço sempre fica mais atraente para quem paga e assim pode escolher sua melhor opção.
Não podemos continuar no Brasil vendo nossa malha ferroviária entregue para o setor privado, muitas vezes com sérias dificuldades de investimento, inclusive de uma manutenção adequada, e sem o aproveitamento dessa mesma malha para o tráfego de passageiros, sabendo nós que se na carga um único trem pode retirar dezenas de caminhões das rodovias, um trem de passageiros proporciona conforto, rapidez e segurança nos deslocamentos entre as cidades, melhorando muito a mobilidade do brasileiro. Com muito menos veículos nas estradas as despesas dos estados e municípios com a manutenção de rodovias cairia consideravelmente, mas acima de tudo, serão muitos os acidentes rodoviários que evitamos, com as suas brutais consequências, principalmente humanas, com a perda de vidas ou invalidez parcial, quando não total. Tudo isso é um custo incalculável para os governos e para toda a sociedade.
Sabemos que a instalação da infraestrutura para a operação de uma ferrovia não é barata, mas é, sem dúvida, fundamental, e é para esse tipo de investimento estrutural que se pagam impostos. O Brasil necessita de milhares de quilômetros de novas vias, ligando nossas cidades, mas o Brasil precisa também de aperfeiçoar a operação do que está implantado. Ferrovia tem que ser responsabilidade do estado, e entregue a mentes que entendam do assunto. Quem projeta a longo prazo, olhando para as diversas variantes que condicionam o fluxo ferroviário, não pode estar preocupado com as eleições de quatro em quatro anos. Entre projeto, implantação e inicio da operação de uma nova linha ferroviária vão no mínimo duas legislaturas, e se o interesse principal do gestor não for a população, além das empresas que necessitam da ferrovia para serem mais competitivas, sem esse foco e responsabilidade, o Brasil nunca conseguirá reverter o quadro tão sombrio da falta de competitividade nos mais diversos setores.
Ótimo domingo a todos.
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