Marcado para sexta-feira (19) na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), o leilão de concessão de duas linhas do metrô (5-Lilás e 17-Ouro) em construção por 20 anos à iniciativa privada não apenas não se justifica, como todo o processo apresenta irregularidades.
É o que apontaram representantes dos metroviários e engenheiros em entrevista na sede do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp), na capital de São Paulo, na quarta-feira (17).
Objeto de questionamentos e ações popular e civil pública impetradas pelas respectivas entidades desses trabalhadores, como destacou José Manoel Ferreira Gonçalves, presidente da Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (FerroFrente), a pretensão do governo de São Paulo de privatização atende a uma lógica que vai de encontro ao interesse público: “a do capital imobiliário, que leva trabalhadores para longe e depois restringe a capacidade de mobilidade conforme o bolso”.
Ele listou alguns dos problemas nesse processo: “A proposta é de conectividade de duas linhas que não estão prontas (Lilás e monotrilho). Na linha 5 há pelo menos duas estações não finalizadas e ninguém sabe quando vai acabar a 17. O edital de licitação criou um mecanismo de tarifa compensatória por 180 dias.”
Ou seja, possibilidade de ressarcimento ao concessionário por seis meses pelo governo Alckmin, por um valor de outorga a ser paga pelo ente privado muito baixa: R$ 270 milhões. “É um absurdo. O vencedor do leilão vai faturar R$ 400 milhões ao ano. Em 20 anos serão R$ 8 bilhões. E o governo do Estado não divulgou qualquer estudo que demonstrasse a seriedade no processo, com parâmetros técnicos, a vantagem da licitação em relação à operação por uma empresa pública (Metrô de São Paulo) que já vem fazendo isso há décadas e muito bem. É dar um crédito de confiança a quem não tem, as irregularidades são inúmeras”, enfatizou Gonçalves.
Para ele, em defesa do metrô público, estatal e de qualidade, a coalizão que se formou pode criar um novo modelo, mais humano e harmônico, que valorize o projeto e a engenharia, contra a lógica que privilegia “o bolso”. Ele concluiu: “Estamos atentos. Se a privatização passar, não será com o nosso silêncio. Podemos no dia seguinte ao leilão, nesse caso, ingressar com outra ação civil pública para impedir a assinatura do contrato.”
“A privatização das linhas 5 e 17 é continuidade de um processo que se iniciou com a linha 4, de tirar a responsabilidade do Estado pelo transporte público e transformá-lo em mercadoria. Essa lógica que está imperando em nível nacional virou fetiche no setor metroferroviário. Parte disso é a terceirização nas bilheterias, que avança, pagando-se salários de R$ 800 e sem direitos trabalhistas”, denunciou.
Segundo ele, é um jogo de cartas marcadas. “A CCR e a Odebrecht realizaram o estudo de viabilidade e vão receber R$ 204 mil por isso. E temos convicção que se a CCR não vencer, vai operar as linhas.” Isso porque é a empresa que atende os requisitos técnicos, que não por acaso ela própria definiu no estudo.
O representante do Sindicato dos Metroviários frisou: “Não somos a favor de nenhuma concessão. Transporte público é direito do cidadão e dever do Estado, a única forma de garantia de qualidade é quando o serviço prestado atende o interesse do usuário, o que só pode ser feito se o metrô se mantiver público e estatal.”
Fajardo lembrou que a privatização fracassou em Londres, que voltou atrás, e que outras cidades de países centrais, como Paris e Nova York, mantêm o metrô nas mãos do Estado.
Assim, é possível assegurar transporte acessível à população, rumo, portanto, “à tarifa zero”. Na sua ótica, quem deve arcar com o custo devem ser os empreendimentos como shopping centers e comércio ao redor das linhas, que se beneficiam com sua operação. “Se conseguirmos uma liminar que impeça o leilão, ajuda, mas temos que lutar contra a lógica neoliberal e denunciar esse processo completamente viciado, cujo princípio é a entrega do patrimônio público para obtenção de lucro, e não as condições de vida da população. Essa é uma luta de toda a sociedade”, concluiu.
Essa batalha não é nova no País, como lembrou o presidente da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro), Celso Borba. “Teve muita luta contra a privatização do metrô em Belo Horizonte, Pernambuco, Porto Alegre e agora em São Paulo, com mais força. É uma política de destruição do patrimônio público. Precisamos nos apoiar na luta de conjunto, unindo todo o funcionalismo contra o desmonte em curso.”
Diretor do Seesp, Emiliano Affonso Neto explicitou: “A proposta é de concessão de linhas de um dos melhores metrôs do mundo sem garantia de qualidade e de construção de um metro a mais. A outorga é insignificante, não chegará a 0,5% do custo da obra. A cada bilhão de dólares investido no sistema de transporte, voltam seis para a economia.”
De acordo com ele, a inversão do Estado em sistemas estruturadores como o metroferroviário ajudaria a criar novas centralidades e equilibrar a cidade, trazendo receitas não operacionais. “Há muitos exemplos no mundo. É necessário que o Governo do Estado e a Prefeitura de São Paulo, com ajuda da União, preservem o Metrô como empresa pública que absorveu tecnologia. Noventa e cinco por cento da população vive na área urbana. Se queremos voltar a crescer, é fundamental ter boa mobilidade”, finalizou.