Meu editorial de hoje mistura informação, e um pouco da história, tanto da marca em questão, como da minha história, afinal ela foi também foi responsável por algo que influenciou diretamente minha vida, minha grande paixão pelos ralis.
Este fim de semana representa um momento triste para a indústria automobilística mundial. A italiana Lancia encerra suas atividades nos países onde ainda existia algum tipo de representação. Vão também sair do ar os diversos sites da marca na rede mundial de computadores, muito especialmente na Europa, ficando apenas restrito à Itália algum tipo de operação. A marca diz que pode ser apenas uma pausa, no entanto, este momento pode também ser o principio do fim.
A Fiat, que sempre foi a casa ”mãe” da Lancia, encerra assim um ciclo que começou 110 anos atrás e que foi marcado por tantos e tantos momentos de glória no esporte a motor mundial.
Desde que foi anunciado o fim das operações da marca, apenas o modelo Ypsilon continuava à venda na Europa. Em 2016 apenas algumas dezenas de unidades foram vendidas, sendo este período uma triste e melancólica contagem regressiva para o seu fim, ou, querendo ser um pouco mais otimista, para sua hibernação.
A histórica marca, nascida em 1906 ficará para sempre na minha memória, e é sem dúvida uma das responsáveis pela minha paixão tanto por carros, e muito particularmente pelos ralis.
Antes dos 14 anos de idade, aprendi a respeitar os feitos da Lancia na década de setenta com o Stratus. Devorava tudo o que era revista antiga e que falavam sobre o campeonato do mudo de ralis. Após alguns anos, e já no inicio dos anos oitenta a marca regressava com o modelo 037. Nessa época eu já levava um aparelho para a escola e no intervalo das aulas ouvia de forma atenta as transmissões ao vivo via rádio, com resultados e incidências das especiais do Rali de Portugal. Sim, eles transmitiam ao vivo como se de um jogo de futebol se tratasse.
Nesta época as provas do mundial (as principais) chegavam a ter 6 dias, e o rali português começava na terça feira e só terminava no domingo. Eu ficava torcendo para nenhum daqueles carros da marca italiana abandonar entretanto, já que eu só no sábado podia viver a emoção de ouvir seu ronco, e de admirar sua beleza. Foi o inicio da minha paixão pelos ralis, e logo de que forma. Nomes como Markku Alen, Attilio Bettega, Henri Toivonen, e Massimo Biasion, todos eles em Lancoa 037, tinham batalhas memoráveis com o os carros da Audi, que nesta altura chegava com o inovador Quattro de tração integral e que tinha como principais pilotos, Stig Blonqvist, Walter Röhrl e a primeira mulher a vencer uma prova do mundial, a francesa Michèle Mouton. A Lancia era parte importante de um esporte que eu aprendia a amar.
Depois disso vieram o S4, que marcaria o fim da era dos “monstros” do grupo B, e sempre com muito sucesso pelos HF 4WD e sua evolução, o Integrale, responsáveis em 1992 pelo último título da marca. Para se ter uma noção da importância da marca, apesar do sucesso da Citroën nas últimas décadas, a Lancia ainda é a maior vencedora do WRC.
Além dos ralis a marca tinha uma história também no Endurance, competição que chegou a disputar em alto nível, e em provas como as 24 Horas de Le Mans, onde sua presença, apesar de não tão intensa, foi apesar disso marcante. A Alfa Romeo era a responsável no grupo Fiat por olhar para as competições de pista, particularmente nos Turismos (tinha ainda a Ferrari na F1, claro), ficando para a Lancia a responsabilidade de ser o representante do grupo nos ralis.
É claro que outros fatores são determinantes para o fim da Lancia, mas não posso deixar de notar a estreita ligação entre o fim de suas operações esportivas, com o declínio de sua imagem e representatividade no mercado automobilístico, particularmente no Europeu.
Isso prova, mais uma vez, o quanto é importante o esporte a motor para uma marca que quer transmitir para o público uma imagem de capacidade técnica, desenvolvimento e inovação. Sem essa referência ela vai ficando no esquecimento.
Com a noticia do fim das operações da Lancia, se fecha o ciclo de uma marca que foi muito mais que simplesmente, mais uma. Ela foi marcante desde seu inicio em 29 de novembro de 1906, quando os sócios Vincenzo Lancia e Claudio Fogolin se juntaram para desenvolver uma empresa que sempre foi sinônimo de tecnologia e inovação e nem mesmo as duas grandes guerras que afetaram o velho continente, e a necessária participação da marca no esforço militar, conseguiu interromper sua trajetória de sucesso.
Que este triste momento seja apenas um sono, e que logo chegue alguém que possa acordar de novo o nome, Lancia, que assim como a minha, marcou a vida de tanta gente ao longo de mais de um século de uma bonita e vitoriosa história.