
Antecipando a 22ª edição da Semana de Tecnologia Metroferroviária, que acontecerá no período de 13 a 16 de setembro de 2016, no Centro de Convenções Frei Caneca, em São Paulo, que é o mais importante Congresso Técnico do setor de transporte metroferroviário do País, e que vai reunir durante os quatro dias de evento, técnicos das operadoras, dirigentes empresariais e profissionais do setor para debater questões importantes relacionadas à mobilidade urbana nas grandes cidades, a Revista Publiracing realizou uma entrevista com o presidente da AEAMESP, Emiliano Neto.
Emiliano Stanislau Affonso Neto é presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô – Aeamesp, organizador do evento, e um conhecedor profundo da questão metroferroviária, e da necessidade de uma correta integração do transporte sobre trilhos com os outros modais, além da necessidade de planejamento e investimento na expansão das redes já existentes, fator fundamental para a melhoria da mobilidade nos grandes centros urbanos e recuperar o tempo perdido nas últimas décadas.
Revista Publiracing: Sabemos que as soluções para os problemas da mobilidade urbana são complexos e que requerem planejamento a longo prazo, e na politica brasileira, planejamento significa apenas quatro anos. Uma eficaz rede de transportes, fundamental em qualquer grande cidade, exige projetos que olhem para, 20, 30 anos lá na frente, prevendo demandas de acordo com o desenvolvimento social e urbano.
Com base nesta observação, e com foco na mobilidade, é possível em sua opinião combater essa falta de planejamento das obras publicas no Brasil?
Emiliano Neto: Sim, planos existem porem faltam compromissos sérios para sua implantação. É totalmente viável mudar este quadro, para isto precisamos de fontes de recursos que ajudem na implantação e operação dos sistemas e um Plano de Estado, contemplando uma visão de curto, médio e longo prazo, e uma decisão política de priorizar sistemas metroferroviários aonde eles forem necessários.
RP: Qual o cenário atual em termos de fluxo diário de passageiros nas redes de metrô e trens em São Paulo?
EN: Os sistemas metroferroviários em São Paulo são os mais carregados do País e transportam em torno de 7,3 milhões de passageiros nos dias úteis, sendo 4,5 milhões pelo metrô e 2,8 milhões pelos trens.

RP: Nos horários de maior fluxo de passageiros, praticamente todas as linhas do sistema metroferroviário da cidade de São Paulo apresentam superlotação. Sabendo que cada linha tem características próprias, no entanto olhando apenas para questões técnicas de uma forma geral, o que será necessário implementar para conseguir uma frequência maior de trens, com isso mais conforto para os passageiros nesses momentos mais críticos do dia?
EN: O Brasil foi o segundo pais no mundo a implantar sistemas ferroviários e a cidade de São Paulo, até meados do século passado teve seu desenvolvimento apoiado na rede de ferrovias e de bondes. Com a priorização do transporte individual vimos o sistema de bondes ser abandonado e o transporte ferroviário ser relegado a segundo plano.
O sistema de metrô de São Paulo teve sua implantação iniciada em 1968, tornando-se referencia internacional, porém possui uma malha muito pequena de apenas 77,4 km.
Sua operação exitosa, baixo intervalo entre trens e confiabilidade operacional fez dele o modo de transporte mais confiável da cidade, atraindo passageiros acima de sua capacidade nominal, transformando-o no mais denso do mundo. A CPTM com seus 258,5 km passa, desde a criação da CPTM por um processo de modernização, com melhoria na oferta e no atendimento, sendo o sistema de transporte público que mais ampliou a percentagem de passageiros nas últimas duas décadas. Avanços ocorreram, porém, para que o sistema metroferroviário de São Paulo se torne compatível com a necessidade da cidade será necessário investir no aumento da rede metroferroviária.

Medidas paliativas podem ser efetuadas; apesar de ter um dos menores intervalos de trens do mundo, o Metrô de São Paulo está modernizando sua frota e substituindo seu sistema de sinalização por um novo, que segundo seu fornecedor poderá chegar teoricamente a intervalos de 75 segundos, com o consequente aumento da oferta de lugares e do conforto. É um desafio que torcemos para que seja exitoso.
A CPTM está em continua melhoria, modernizando estações, material rodante, vias e substituindo sua sinalização, o que já permitiu uma diminuição do intervalo de 18 minutos em 1995 para menos de 6 minutos com a meta de chegar a intervalos entre 3 e 4 minutos.
RP: Com os dados que deve ter, apenas uma maior frequência das composições conseguiria resolver a questão da superlotação, e se sim por quanto tempo?
EN: Não resolverão, apenas minimizarão o desconforto. Os planejamentos de transporte e do uso do solo em São Paulo foram desconectados; Hoje temos uma concentração de postos de trabalho no centro expandido e de residências na periferia, tornando fluxos de demanda pendular como é o caso do trecho leste da Linha 3 – Vermelha.
Para o equilíbrio da rede metroferroviária seria necessário a construção das linhas que o Governo Estadual está implantando, acrescidas da ampliação da Linha 6 – Laranja até a Estação Anália Franco da Linha 2 Verde e a implantação do trecho Guarulhos - Paulista da futura Linha 19.
RP: Qual a sua opinião em relação à opção pelo monotrilho para algumas linhas de metrô, uma tecnologia que o Brasil desconhecia por completo?
EN: Existem vários sistemas estruturadores de transporte como os BRTs, VLTs , Monotrilhos, metrôs e trens porém sua escolha depende do volume de passageiros e das dificuldades de implantação. Um sistema de metrô atende demandas que podem chegar a 70 mil passageiros/hora sentindo e não se justificam para todos os eixos de transporte, a sua vantagem é ser um sistema totalmente segregado, com controle total, garantindo intervalos baixos com confiabilidade e segurança.
O monotrilho é um sistema segregado, com controles operacionais similares ao metrô; sua tecnologia tem mais de 100 anos e é utilizada em vários países; ele permite raios de curva mais fechados e rampas maiores que os sistemas tradicionais sobre trilhos. É uma das melhores escolhas para a região que a Linha 17 Ouro atenderá, ou seja, uma área com topografia acidentada, barreiras geográficas e com uma necessidade de oferta de apenas 14 mil passageiros / hora sentido para transportar mais de 400 mil usuários dia. O que não pode ocorrer é a linha parar no seu primeiro trecho, entre o Aeroporto de Congonhas e a Avenida Marginal Pinheiros, perdendo grande parte de sua função na rede metroferroviária e reduzindo seu atendimento para menos de 1/3 do previsto inicialmente no projeto.
RP: Segundo a opinião dos passageiros, a linha quatro amarela é a mais eficaz e confortável das linhas de metrô em São Paulo. Como ela é a primeira a ser implementada com o novo modelo de negócio de (PPP), o que dela pode ser retirado como exemplo(s) a ser seguido e implementado nas outras linhas?. São apenas estações e trens mais novos, ou outros aspectos que influenciam nessa percepção do publico?
EN: A Linha 4 Amarela foi concebida e implantada pela Companhia do Metropolitano de São Paulo, ou seja, portas de plataforma, trens climatizados com vagões contínuos e possibilidade de operação totalmente automática. Essas inovações já estão sendo consideradas para todas as novas linhas em implantação, sejam elas de monotrilho ou de metrô.
Além de ser um projeto e empreendimento novo, o que ajuda nesta percepção é o fato da linha 4 ter um carregamento dentro da oferta e a Via Quatro operar, como a CMSP, com bons padrões de qualidade.
RP: Em sua opinião secretarias que são responsáveis pelo planejamento urbano, “conversam” com secretarias como a dos transportes, para que só se permita a construção e loteamentos ou condomínios de grande densidade demográfica, onde existam previamente meios de transporte para desanuviar essa nova demanda?
EN: Apesar dos corpos técnicos se conhecerem, infelizmente, essas “conversas” que deveriam ser uma constante, não acontecem na “intensidade” que seria necessário.
Para a implantação da Linha 17 – Ouro ocorreram conversas prévias entre a PMSP e o GESP culminando na assinatura de um convênio que detalhava as obrigações de cada parte, porém ele não resistiu à mudança na administração municipal. Por outro lado, o novo Plano Diretor do Município de São Paulo, aprovado neste ano, prevê o adensamento da cidade junto aos eixos estruturadores de transporte público.

RP Existe uma Politica Nacional de Mobilidade Urbana, mas as nossas cidades são claramente deficitárias no transporte coletivo, não só na quantidade mas também na qualidade. A interligação, entre trem, metrô e ônibus não consegue ser feira de modo a que o passageiro se sinta confortável no dia a dia. Na sua opinião onde estão os erros no planejamento da mobilidade das nossas cidades?
EN: A lei de mobilidade urbana, aprovada no Governo do Fernando Henrique Cardoso, tem grandes dificuldades para sair do papel. Recentemente o direito ao transporte público virou uma obrigação constitucional, infelizmente pouco se tem feito para tornar este direito em uma realidade. Os governos continuam optado pelo transporte individual, que tem grandes subsídios, teve seus impostos diminuídos e sua produção incentivada.
A via, que os proprietários de carro ou moto utilizam, sua sinalização, manutenção, iluminação e segurança é paga por todos e reclamamos quanto isto não ocorre a contento; no caso do usuário do transporte metroferroviário, ele é quem tem que pagar, sobre pena de chamarmos de subsidio e o governo reclamar que está comprometendo suas finanças. É uma distorção que temos a obrigação de corrigir!
Todos os dias chegam a RMSP, mais de um milhão de pessoas que perdem um tempo precioso em congestionamentos nas estradas e ruas até o seu destino final, enquanto os trens metropolitanos se estendem para fora da capital, com estações próximas a esses eixos, porem sem que haja a intenção dos governos de implantar qualquer estacionamento para promover a integração dos carros com o transporte metroferroviário.
As cidades no mundo com boa mobilidade têm “políticas de estacionamento”, que incentivam a integração do transporte individual com o coletivo fora do centro expandido e coíbem a ida de carros às áreas centrais, porém, não existe nenhuma cidade brasileira que tenha implantada esta política.
Existem bons planejamentos, tanto no nível estadual como no municipal, infelizmente não há um comando que olhe o todo e promova a sua efetiva integração e junte o planejamento urbano com o de transporte sem levar em conta as divisas municipais e os níveis de poder. Mesmo no mesmo nível de governo não existe uma junção de propósitos e de prioridades, o que acaba gerando aumento de prazos e de custos.
Uma boa mobilidade necessita da junção dos três níveis de governo, recursos cativos para a implantação dos sistemas estruturadores e mitigação dos custos da tarifa e além de tudo de planos técnicos que extrapolem os governantes e não sofram descontinuidades com as eleições.
RP. A AEAMESP pode ser uma voz ativa na apresentação de soluções para esses problemas que mencionou anteriormente. De que modo a experiência de profissionais capacitados do setor metroferroviário, pode, através de sua diretoria, influenciar de modo construtivo as decisões dos governos Estaduais e Federal para um planejamento que leve em conta a demanda futura das principais cidades brasileiras, influenciando em escolhas importantes como o tipo de tecnologia e material rodante a ser implementado no futuro?
EN: “Uma andorinha só não faz verão”, a AEAMESP tem buscado a união do setor em torno de ações que ajudem a mudar a percepção vigente entre nossos representantes, dirigentes e os formadores de opinião para permitir um reposicionamento que leve a implantação de uma boa mobilidade em nossas cidades e com isto propiciar maior eficiência e a retomada do crescimento com reflexos na economia, na qualidade de vida e nos empregos.
A AEAMESP já ajudou e participou ativamente em ações que mudaram leis, viabilizaram recursos e diminuíram custos do setor. Participamos de articulações que formaram frentes parlamentares, propiciou a criação do Ministério das Cidades e de movimentos em prol de um transporte de qualidade com a participação de operadores, técnicos, indústria e movimentos populares.
Somos uma das poucas entidades de nível universitário que faz parte do Conselho das Cidades atuando e coordenando grupo de trabalho que propõe a ação do governo federal no setor. Estamos trabalhando junto a universidades e a operadoras para a constituição de treinamento e de cursos que possibilitem a retenção e o repasse do conhecimento técnico do setor.
Ajudamos as lideranças da zona leste e da Freguesia do Ó em movimentos pró metrô que culminaram na extensão da Linha 2- Verde até Vila Prudente e na implantação da Linha 6 – Laranja de Brasilândia até a Liberdade.

Somos responsáveis pelo maior evento técnico do setor metroferroviário do País que tem abrangência nacional e que este ano trará palestrantes do Japão para mostrar como podemos ser um sistema promotor e não indutor do desenvolvimento, captando os recursos que geramos para a mitigação dos custos de implantação e de operação do setor e a Alemanha para mostrar aos nossos governantes como escolher o melhor modo de transporte. Este evento terá onze painéis e a apresentação de mais de 50 trabalhos técnicos.
Participarão deste evento secretários, técnicos, dirigentes, movimentos populares, estudantes e formadores de opinião e esperamos contar com o apoio e a divulgação da imprensa.
O trabalho é árduo, estamos passando por um momento delicado, mas são nestes momentos que poderemos dar saltos e avançar para a construção de uma boa mobilidade em nossas cidades, a qual passa obrigatoriamente pela implantação de redes metroferroviárias, estruturadoras do transporte público.
RP: Quais são os principais objetivos de sua gestão à frente da AEAMESP .
EN: em 2000 participei da gestão da AEAMESP, era uma época na qual enfrentávamos uma grande crise do setor. O governo do estado sem recursos tinha tomado a decisão de não fazer mais metrôs, “era caro para construir e operar”. Trabalhamos intensamente e ajudamos a mudar a percepção deixando claro que são sistemas fundamentais para o desenvolvimento e crescimento das idades e da economia.
Hoje estamos novamente enfrentando uma crise, financeira e de credibilidade em nossos representantes e governantes e mais uma vez precisamos da união de todos para avançar, mudar a legislação, a percepção e fazer o que diversos países fizeram ao reconhecer que não há forma de se construir uma boa mobilidade sem que ela esteja apoiada em uma rede estruturada e racionalizada de transporte público.
Temos que deixar claro que o caminho passa pela racionalidade dos modais e pela eficiência. Defendemos contratos de gestão que cobre qualidade e produtividade dos operadores, a contratação de obras ou das “PPP s” com a elaboração prévia de projetos executivos e a escolha técnica, sem imposições políticas, do melhor modo de transporte.
A Revista Publiracing agradece sua disponibilidade para responder às nossas perguntas!
Entrevista realizada por Artur Semedo / Editor-Chefe da Revista Publiracing